Crime, castigo e perdão: o instituto do perdão judicial na jurisprudência do STJ
Previsto em vários dispositivos legais, o perdão judicial é um instituto que permite à Justiça deixar de aplicar a pena ao réu, mesmo que a sua culpa seja constatada ao longo do processo. É uma das causas de extinção da punibilidade, de acordo com o artigo 107, parágrafo IX, do Código Penal (CP), mas sua aplicação só é possível em situações expressamente previstas na lei.
Para conceder o perdão, o juiz deverá considerar não apenas o sofrimento físico e psicológico enfrentado pelo acusado ou os vínculos familiares isolados, mas também as circunstâncias específicas de cada crime que admite esse benefício. Nesta matéria especial, são apresentados alguns casos em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se manifestou sobre o instituto.
Abalo emocional não pode ser presumido
Em 2020, a Quinta Turma manteve decisão das instâncias ordinárias de não aplicar o perdão judicial a um motorista que, após ingerir bebida alcoólica, perdeu o controle do veículo que dirigia em alta velocidade e colidiu com um poste, o que causou a morte do seu amigo que estava no banco do carona.
O relator do agravo regimental no REsp 1.854.277, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, lembrou que o perdão judicial é ato de clemência por parte do Estado, que deixa de aplicar a pena, afastando assim a punibilidade do infrator.
No entanto, o ministro explicou que a aplicação desse instituto requer a avaliação do magistrado para verificar se o autor foi suficientemente abalado em seu estado físico ou emocional. No caso – acrescentou –, para eventualmente chegar a uma conclusão diversa daquela adotada na instância de origem, o STJ precisaria reexaminar as provas do processo, o que é vedado pela Súmula 7.
Há de ter cautela para que não se conduza à banalização do instituto, temerário no atual cenário de violência no trânsito, que tanto se tenta combater.
Em outra ocasião, em 2025, o colegiado reafirmou o entendimento de que o perdão judicial não se aplica sem a comprovação de que o agente que praticou a conduta sofreu um abalo emocional significativo. Em contexto semelhante, um homem foi condenado por homicídio culposo na direção de veículo pela morte de seu primo.
No STJ, o relator do HC 953.524, ministro Messod Azulay Neto, apontou que o instituto do habeas corpus foi utilizado como substituto de recurso próprio e que não foi verificada coação ilegal patente que justificasse a concessão da ordem de ofício.
Ademais, o ministro salientou que o sofrimento insuportável do réu não pode ser presumido apenas pelo parentesco com a vítima, circunstância que, por si só, não indica a existência de um abalo emocional suficiente para justificar a aplicação do perdão judicial. O fato de o motorista ter dado carona à vítima, segundo Messod Azulay Neto, "também não comprova haver amizade íntima entre eles".
Benefício foi concedido a indivíduo que matou irmão por engano
Por outro lado, no REsp 1.871.697, a Sexta Turma concedeu o perdão judicial e julgou extinta a punibilidade de um homem condenado por homicídio culposo depois de matar o próprio irmão enquanto tentava atingir um desafeto.
O tribunal de origem negou o benefício, por entender que a comprovação do parentesco e o relato de sofrimento no interrogatório não bastaram para demonstrar o abalo psicológico do acusado.
O relator no STJ, ministro Rogerio Schietti Cruz, lembrou que, em relação à interpretação do artigo 121, parágrafo 5º, do CP, a doutrina exige um vínculo prévio de conhecimento entre os envolvidos. Nessa situação – explicou –, "só sofre intensamente o réu que, de forma culposa, matou alguém conhecido e com quem mantinha laços afetivos".
O ministro considerou que o fato de serem irmãos e a demonstração da conduta imprudente foram suficientes para justificar a incidência do benefício. "O que se pretende é conferir à lei interpretação mais razoável e humana, sem jamais perder de vista o desgaste emocional (talvez perene) que sofrerá o acusado dessa espécie de delito, uma vez que era irmão da vítima", declarou.
Colaboração premiada não basta para autorizar o perdão
No AREsp 2.452.224, a Quinta Turma negou provimento ao agravo regimental interposto por um ex-funcionário público que buscava a concessão do perdão judicial diante de sua colaboração premiada.
O recurso chegou ao STJ após as instâncias ordinárias não concederem o perdão, limitando-se a aplicar a redução da pena em dois terços. A defesa sustentou, entre outras razões, que não haveria restrição legal para a concessão do benefício em decorrência de o infrator ter ocupado cargo público à época dos fatos.
Para o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, é o magistrado que, na dosimetria da pena, deve avaliar se há ou não a presença dos requisitos legais para a concessão do perdão judicial. No caso em discussão, ele destacou que a decisão do tribunal de origem foi proporcional e fundamentada de forma suficiente.
O ministro ressaltou que, para a concessão do perdão, devem ser observadas não apenas a extensão e a qualidade da colaboração efetivada, mas também a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso, de acordo com o artigo 4º, parágrafo 1º, da Lei 12.850/2013.
Concurso formal não estende perdão para todos os delitos
A Sexta Turma entendeu que, nos crimes cometidos em concurso formal, não pode haver a extensão dos efeitos do perdão judicial concedido a um deles para o outro. Na origem do caso, um indivíduo foi condenado por homicídio culposo de seu namorado e de um amigo, quando dirigia de forma imprudente.
O tribunal de segunda instância considerou não ter sido comprovada nos autos a existência de vínculo pessoal entre o infrator e o amigo capaz de justificar o perdão. Na opinião do relator do REsp 1.444.699, ministro Rogerio Schietti Cruz, entender pela desnecessidade da comprovação de tal vínculo serviria como argumento de defesa para todo e qualquer caso de delito de trânsito com vítima fatal.
A análise do grave sofrimento, apto a ensejar a inutilidade da função retributiva da pena, deve ser aferida de acordo com o estado emocional de que é acometido o sujeito ativo do crime, em decorrência da sua ação culposa.
O ministro observou que, embora o concurso formal tenha sido instituído na legislação com o objetivo de beneficiar o acusado, impondo-lhe a pena com base em apenas um dos crimes, não deixa de haver um acréscimo correspondente à punição pelos demais delitos. E, mesmo assim, de acordo com Schietti, não há previsão legal de extensão da absolvição, da extinção da punibilidade ou mesmo da redução da pena pela prática de um dos crimes em concurso formal.
"Tratando-se o perdão judicial de uma causa de extinção da punibilidade de índole excepcional, somente pode ser concedido quando presentes os seus requisitos, devendo-se analisar cada delito de per si", disse.
Hipóteses de aplicação do perdão judicial não podem ser ampliadas
A Sexta Turma, no agravo regimental no AREsp 2.140.215, afirmou que o perdão não pode ter sua aplicação estendida a hipóteses diferentes daquelas expressas em lei, nos termos do artigo 107, inciso IX, do Código Penal.
A defesa requereu a aplicação do instituto alegando que o condenado, durante a prática do crime de roubo, foi atingido por um tiro disparado por um guarda municipal e, em consequência da lesão, ficou paraplégico.
De acordo com o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, tanto a doutrina quanto a jurisprudência do STJ entendem que as hipóteses que admitem a aplicação do perdão judicial são taxativas, geralmente relacionadas a crimes culposos. Conforme apontou, "sempre existe um dispositivo a sinalizar a intenção do legislador em beneficiar o acusado".
O ministro reforçou que não há previsão legal para a concessão da medida em casos de roubo. Segundo esclareceu, a analogia, mesmo quando a favor do réu, pressupõe omissão na lei, o que não ocorre no caso, já que o Código Penal define expressamente quando o perdão judicial pode ser aplicado, não cabendo ao julgador decidir.
Não há concessão de perdão judicial na fase de admissibilidade
Em 2020, analisando processo em segredo de justiça, a Corte Especial entendeu que não há possibilidade de aplicação do perdão judicial na fase de admissibilidade de queixa-crime, pois, para a sua concessão, é necessária a análise do mérito.
A autora do voto que prevaleceu, ministra Maria Thereza de Assis Moura, lembrou que, nos crimes contra a honra, o perdão judicial está fundamentado no artigo 107, inciso IX, combinado com o artigo 140, parágrafo 1º, do CP. Segundo ela, antes de conceder esse benefício, o juiz precisa verificar determinadas circunstâncias, para só então deixar de aplicar a pena imposta.
Para a ministra, "o legislador deixou claro que a concessão do perdão judicial pressupõe a existência de uma decisão de mérito, fase que não se confunde com o juízo de admissibilidade da queixa-crime".
FONTE: STJ
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