Você está em: Início > Notícias

Notícias

22/10/2025 - 18:50

Especial

Artigo: "Precisamos falar mais sobre precedentes", de autoria da juíza Juliana Oliveira



A juíza Juliana Oliveira é titular da 3ª Vara do Trabalho de Santa Cruz do Sul. Integra o Grupo de Estudos de Análise Jurisprudencial, da Escola Judicial do TRT-RS. É tutora do curso "Teoria e Prática de Precedentes", no âmbito do Tribunal.

Este artigo reflete a opinião pessoal da autora, não representando posicionamento institucional do TRT-RS.

A negação, como mecanismo psicológico em que o indivíduo se recusa a aceitar fatos, pensamentos ou sentimentos causadores de sofrimento ou ameaça a seu bem-estar, parece permear parte da comunidade jurídica em relação ao chamado Sistema de Precedentes.

Esta constatação não tem conotação crítica, mas sim, empática, pois conheço os obstáculos a serem ultrapassados na rotina diária a fim de aprofundar os estudos necessários à correta aplicação da técnica dos precedentes. Igualmente, sei o quanto é cara ao juiz a ampla autonomia para interpretar o direito.

Entretanto, assim como acontece no âmbito psicológico, em que a negação do problema retarda a sua solução e pode até agravá-lo, a resistência ao caráter vinculante dos precedentes apenas retarda o desenvolvimento da técnica adequada para operar o sistema e torná-lo eficiente, coerente e justo.

O aprendizado do sistema de precedentes exige estudo, debate, reflexão, prática, o que demanda tempo e dedicação. Porém, os precedentes estão aí, permeando os processos em profusão, especialmente neste último ano, no qual o TST assumiu-se como Corte de Precedentes.

Então, o que proponho nos próximos parágrafos são alguns pressupostos para orientar a rotina jurisdicional diária enquanto o operador do direito está em estágio incipiente de capacitação, especialmente para a análise dos Incidentes de Recursos de Revista Repetitivos do TST (IRRs).

1. A tese não é o precedente

É conceito básico na teoria do sistema de precedentes que a força normativa que advém de uma decisão vinculante só se justifica perante o caso concreto submetido a julgamento. Assim, o que vincula as decisões dos juízes é a norma jurídica obtida a partir dos fatos relevantes (fatos materiais) para a decisão no caso-piloto (processo julgado no IRR). No direito brasileiro, é esta circunstância que torna constitucional o sistema.

Nos precedentes em reafirmação de jurisprudência, embora exista a escolha de um caso-piloto, o TST já julgou repetidamente casos idênticos, anteriormente ao julgamento do IRR. Assim, o TST apenas ratifica no recurso a jurisprudência uniforme que até então vinha adotando para aquele caso.

2. A regra geral é que os fatos estão no acórdão regional e as razões de decidir estão no IRR

A tabela de Precedentes Vinculantes do TSTAbre em nova aba dá acesso facilitado ao acórdão do IRR e ao acórdão regional. A leitura do IRR permite identificar o padrão decisório obrigatório que o TST propõe para o caso concreto, indicando os fundamentos jurídicos aplicáveis para as questões jurídicas idênticas. A leitura do acórdão regional, por sua vez, vai identificar melhor os fatos do processo, contribuindo para delimitar a controvérsia jurídica resolvida pelo precedente.

É imprescindível analisar estes 2 acórdãos para extrair corretamente o precedente que deriva do IRR. Os elementos na fundamentação do IRR, por si só, são incompletos para os fins do que foi explicitado no item 1 acima.  

Realizada a análise proposta, e uma vez que os fatos relevantes do caso sob julgamento se revelem idênticos aos fatos do precedente, evidencia-se a chamada aderência. Em uma alusão à expressão bem humorada usada por Daniel Mitidiero em suas palestras, adquire-se a “certeza batata” de aplicação do precedente. É ela que evidencia, sem maiores dúvidas, que o precedente incide com efeito vinculante sobre o caso concreto.

3. O precedente que não está no caso-piloto

Alguns acórdãos de IRR parecem conduzir o intérprete a uma aplicação que transborda os limites dos casos idênticos, induzindo a uma analogia (ou editando um enunciado com características de Súmula Vinculante, como nos explica Gustavo BainiAbre em nova aba).

Essa analogia torna-se evidente quando há jurisprudência maciça e prévia do TST aplicando as razões de decidir usadas no IRR a casos que não são absolutamente idênticos, porém são suficientemente semelhantes para justificar a mesma decisão. É uma vinculação que tem sua força e autoridade na iterativa e notória jurisprudência do TST. Afinal, decidir diferentemente da “parede jurisprudencial” demonstrada pela tendência decisória da Corte viola o art. 926 do CPC.

Porém, há casos semelhantes ao caso-piloto em que a jurisprudência do TST não é tão robusta assim, pois poucos acórdãos pregressos enfrentaram as mesmas peculiaridades. Se a uniformidade está presente apenas nas decisões idênticas, e não nas semelhantes, podemos concluir, com um certo grau de convicção, que nem todas as turmas do TST podem extrair a mesma norma a partir deste novo conjunto fático.

Nestas situações é possível ao interprete cogitar uma distinção, provocando a Corte a decidir a questão jurídica semelhante, ampliando ou restringindo o alcance do precedente. Para tanto, é indispensável ao julgador não só identificar o elemento fático diverso, mas também, fundamentadamente, explicar porque ele é relevante para distinguir o caso atual do caso que ensejou o precedente.

4. Para rechaçá-lo é preciso conhecê-lo

No decurso da sua aprendizagem sobre precedentes, não desanime caso discorde do padrão decisório proposto pelo TST. A igualdade é um dos princípios fundamentais de justiça. Ao aplicar corretamente o precedente, o juiz contribui com a isonomia entre os jurisdicionados e, portanto, com a consecução de um critério satisfatório de justiça.

Para divergir de um precedente na decisão judicial e, eventualmente, deixar de aplicá-lo com bons argumentos, o intérprete precisa, primeiramente, dominar as técnicas que determinam a sua aplicação. Para distinguir, é indispensável identificar o padrão decisório e seus pressupostos fáticos essenciais. A partir disto o intérprete terá argumentos jurídicos convincentes para indicar a inadequação do precedente para o caso concreto.

A boa técnica contribui com a divergência saudável e a dialética. Só assim a jurisprudência se ergue em bases robustas e conectadas, minimizando o debate infrutífero de meros confrontos de entendimentos estanques que não dialogam entre si.

Deixo, ao fim, a mensagem de que estudar as técnicas de interpretação e aplicação dos precedentes não é mais uma escolha, mas sim uma obrigação de quem tem o dever da jurisdição. O juiz não é um órgão isolado; é um elemento indispensável de um Poder que deve ser coeso e internamente coerente, a fim de oferecer respostas jurisdicionais efetivas e isonômicas a toda a sociedade.


FONTE: TRT-4ª Região



Já viu os novos livros COAD?
Holding, Normas Contábeis, Perícia Contábil, Demonstrações Contábeis,
Fechamento de Balanço e Plano de Contas, entre outros.
Saiba mais e compre online!