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30/06/2025 - 07:42

Especial

Crimes em sequência: como o STJ aplica a continuidade delitiva


Prevista no artigo 71 do Código Penal, a continuidade delitiva foi concebida com a função de racionalizar a punição de condutas que, embora praticadas de forma independente, estejam inseridas em um mesmo contexto delitivo. A aplicação desse instituto pressupõe a existência de ações praticadas em idênticas condições de tempo, lugar e modo de execução (requisitos objetivos), além de uma unidade de desígnios entre os delitos cometidos (requisito subjetivo).

Por opção legislativa e critérios de política criminal, a lei penal afasta excepcionalmente a aplicação do concurso material e impõe uma única punição àqueles casos nos quais os crimes subsequentes possam ser tidos como continuação de um primeiro delito, de acordo com a análise das condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes.

Número de infrações para cálculo da pena

Nos casos em que a Justiça reconhece a continuidade delitiva, o aumento da pena é determinado pelo número de crimes cometidos, dentro do intervalo legal de 1/6 a 2/3.

A jurisprudência do STJ estabeleceu que se aplica a fração de 1/6 para a prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações.

Esse parâmetro foi utilizado pela Quinta Turma no julgamento do HC 989.487. No caso, relatado pelo ministro Ribeiro Dantas, uma mulher foi condenada a quatro anos, seis meses e 13 dias pela prática de 11 furtos. Na terceira fase da dosimetria da pena, foi reconhecida a continuidade delitiva e aplicada a fração de 2/3 de aumento.

Para a defesa, teria havido ilegalidade na escolha da fração de aumento da pena, a qual se baseou tão somente na quantidade de furtos, sem qualquer outra fundamentação.

Ao indeferir o pedido de habeas corpus para rever a pena, o relator ressaltou que o aumento em 2/3 estava conforme a jurisprudência do STJ, que também se baseia na quantidade de infrações cometidas.


Majoração máxima para casos de estupro de vulnerável

Nos crimes de estupro de vulnerável, a Terceira Seção fixou a tese segundo a qual "é possível a aplicação da fração máxima de majoração prevista no artigo 71, caput, do Código Penal, ainda que não haja a delimitação precisa do número de atos sexuais praticados, desde que o longo período de tempo e a recorrência das condutas permita concluir que houve sete ou mais repetições".

O entendimento foi consolidado sob a sistemática dos recursos repetitivos, no julgamento do Tema 1.202. A relatora, ministra Laurita Vaz (aposentada), comentou que, nesse tipo de crime, a proximidade que geralmente existe entre o agressor e a vítima, bem como a reduzida capacidade de reação por parte desta última, favorecem a repetição do delito e dificultam a quantificação precisa das ocorrências.

"Nessas hipóteses, a vítima, completamente subjugada e objetificada, não possui sequer condições de quantificar quantas vezes foi violentada. A violência contra ela deixou de ser um fato extraordinário, convertendo-se no modo cotidiano de vida que lhe foi imposto", declarou a magistrada.
Intervalo de 30 dias é parâmetro para caracterizar o crime continuado

Ainda que estejam presentes outros requisitos para caracterizar a continuidade delitiva, o espaço de tempo superior a 30 dias entre as condutas criminosas pode afastar a aplicação do instituto na dosimetria da pena.

Em julgamento sob segredo de justiça, no qual foi relator o ministro Sebastião Reis Júnior, a Sexta Turma afastou a aplicação da continuidade delitiva e condenou um pai por abusar sexualmente da filha quando ela tinha 11 anos e, depois, aos 14 anos, mediante grave ameaça.

A jurisprudência deste tribunal superior utiliza como parâmetro o interregno de 30 dias. Importante salientar que esse intervalo de tempo serve tão somente como parâmetro, devendo ser tomado por base pelo magistrado sentenciante diante das peculiaridades do caso concreto.

No caso julgado, o relator entendeu que o intervalo de pelo menos dois anos e cinco meses entre os crimes era muito amplo, razão pela qual afastou a continuidade delitiva.
Crimes podem ser praticados em municípios próximos

A repetição da prática criminosa em municípios próximos não impede a aplicação do instituto. Essa interpretação levou a Quinta Turma, no julgamento do REsp 1.849.857, a manter a continuidade delitiva em um caso de tráfico de drogas.

Na hipótese em análise, o acusado respondia por dois envolvimentos no crime, os quais ocorreram em semelhantes condições de execução e tempo, mas em municípios distintos. Ele teria traficado crack nas cidades de Santo Antônio da Patrulha e Terra de Areia, na microrregião de Osório (RS), na mesorregião de Porto Alegre. Os delitos foram cometidos no decorrer do ano de 2010.

Para o relator do caso, ministro Ribeiro Dantas, a decisão do tribunal local, ao aplicar a continuidade delitiva, não destoou da jurisprudência do STJ. Segundo ele, a corte superior "já se manifestou no sentido da não exigência de que as condutas delituosas sejam praticadas no mesmo município para o reconhecimento do crime continuado, admitindo-se a continuidade delitiva quando os crimes ocorrem em municípios próximos, como na hipótese".
Crimes devem fazer parte de um mesmo plano

No entanto, a falta de unidade de desígnios entre dois crimes cometidos pelo mesmo agente afasta a continuidade delitiva. Essa posição foi adotada pela Quinta Turma no julgamento do HC 936.829, para manter a aplicação do concurso material em detrimento da continuidade delitiva em dois furtos praticados por um só réu no mesmo local: um durante a noite e o outro, com arrombamento, durante o dia.

A relatora, ministra Daniela Teixeira, considerou a conclusão do tribunal estadual de que a conduta posterior não foi um simples desdobramento da primeira, e sim reiteração delitiva, caracterizando-se a habitualidade criminosa, pois os crimes tiveram modos de execução diferentes e não foram praticados sob um mesmo plano.

De acordo com a ministra, a jurisprudência do STJ "é no sentido de que a habitualidade e a reiteração delitivas impedem o reconhecimento do crime continuado".
Institutos da pena-base e da continuidade delitiva são distintos

Segundo a Sexta Turma, é pacífica a distinção entre os institutos da continuidade delitiva e da pena-base, pois, ainda que haja a necessidade de valoração das mesmas circunstâncias judiciais, cada crime permanece independente na cadeia delitiva, havendo dosimetrias distintas para cada evento.

Esse entendimento foi aplicado para denegar o HC 301.882, impetrado em favor de um réu condenado a 30 anos de reclusão, em concurso material, por dois homicídios duplamente qualificados com decapitação e esquartejamento das vítimas. O tribunal local reconheceu o crime continuado, bem como considerou a culpabilidade, o modus operandi, os motivos e as circunstâncias dos delitos, além da conduta social do réu, e não alterou a pena final, pois aplicou o aumento pela continuidade delitiva para dobrar a pena de 15 anos, nos termos do artigo 71, parágrafo único, do Código Penal.

A defesa alegou que foi desproporcional a aplicação da fração de 1/2 para a continuidade delitiva pelo tribunal estadual e requereu a fração de 1/6. Conforme argumentou, teria havido reformatio in pejus na condenação, pois foram valoradas negativamente para a aplicação da continuidade delitiva condições que não haviam sido consideradas na fixação da pena-base.

Para o relator do caso, ministro Antonio Saldanha Palheiro, não houve nova valoração das circunstâncias judiciais na primeira fase da dosimetria da pena, mas apenas o apontamento de elementos concretos para fundamentar o patamar aplicado em razão da continuidade delitiva.

"É assente que a distinção entre os institutos da pena-base e da continuidade delitiva permite, inclusive, a valoração da mesma circunstância fática sob dois aspectos distintos, sem infringência ao princípio do ne bis in idem", afirmou. O ministro verificou que, no caso, o juízo de primeiro grau considerou, ao dosar a pena, as mesmas vetoriais trazidas pelo tribunal estadual na condenação.

FONTE: STJ



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